“Não tenho tempo para mim!” Muitas mulheres, que não conseguem cuidar de si mesmas, se queixam da sobrecarga de tarefas: ainda é forte a carga social que exige ótimo desempenho em suas múltiplas funções. Há quem acredite que “é da natureza da mulher servir os outros”.
Tradicionalmente, a mulher tinha essa “missão” de cuidar da casa, do marido e dos filhos. No livro “Correio para mulheres”, que reúne textos que Clarice Lispector escrevia para jornais da década de 1960, encontramos conselhos do tipo: “Cuidado na maneira como trata seu marido! Pense no que será perdê-lo… e faça-lhe as vontades”(p.98). “Uma mulher que recebe o chefe do seu lar com um ar cansado e, desfiando a ele um rosário de lamúrias sobre seus problemas caseiros, brigas com as empregadas e as malcriações dos filhos, está entediando o marido e só conseguirá que ele se aborreça” (p. 111).
Ao trabalhar fora de casa, encara a “dupla jornada”. Dados coletados em lares brasileiros em 2019, pelo IBGE, mostram que as mulheres gastam, em média, 21,3 horas semanais cuidando dos afazeres domésticos e de pessoas, ao passo que os homens gastam, em média, 10,9 por semana. A saída? Romper com os padrões tradicionais, repartir tarefas, delegar responsabilidades, inclusive com os filhos, para que homens e mulheres sejam cuidadores e provedores. Em outras palavras: é preciso incomodar os acomodados, os quais, certamente, irão reclamar e acusá-la de egoísta. Para se manter firme na nova postura, é preciso resistir ao apelo do sentimento de culpa e da exigência cruel consigo mesma. O quanto desses deveres são realmente necessários? O que pode deixar de ser feito?
Nos circuitos da interação, o que um faz influencia no que o outro faz e vice-versa: a mudança firme de postura acaba resultando em mudança de comportamento dos outros. Como relatou uma mulher: “Foi preciso meu filho adolescente ficar indignado, ao ver a gaveta de meias e cuecas completamente vazia, para perceber que eu realmente não voltaria a cuidar de suas roupas sujas”.
Cada um de nós passa por diversas etapas do ciclo vital: infância, adolescência, idade adulta. A família também tem um ciclo vital: com filhos pequenos e maiores. No entanto, em muitas situações, o padrão de cuidados maternos fica “congelado”: solicitações do tipo “Mamãe, esquente a comida pra mim!” e “Cuide da minha roupa” continuam vigorando, mesmo quando adolescentes e jovens adultos já podem fazer tudo isso por conta própria.
Os “acordos de convívio” precisam mudar, acompanhando o crescimento dos filhos, para estabelecer um padrão de parceria e compartilhamento justo dos afazeres domésticos. Se a casa é de todos, todos colaboram!
“Ninguém cuida da casa tão bem quanto eu”;
“Gosto de me sentir necessária” – são algumas das raízes da manutenção desse padrão;
“Ninguém se oferece para fazer coisa alguma” – mas ela tampouco solicita.
Ou pede ajuda apenas para as filhas, mas não para os filhos e nem para o companheiro.
A necessidade de agradar e de ser reconhecida conduz à frustração: quanto mais faz, quanto mais oferece, mais é exigida e menos recebe em reconhecimento e gratidão. Como funciona a via de mão dupla nos relacionamentos? O que oferecemos? O que recebemos? O quanto há de reciprocidade em termos de cuidados e atenção?
É necessário examinar o quanto, sem perceber, contribuímos para reforçar, nos outros, padrões de comportamento dos quais nos queixamos. E em que proporção construímos a sobrecarga a partir de nossas múltiplas funções.
(*) Maria Tereza Maldonado – Mestre em Psicologia, Membro da Associação Brasileira de Terapia Familiar, Escritora