Pois agora? Você conhece o termo vóternidade? Acabei de inventá-lo. Não sou Guimarães Rosa. Mas me dou o direito de também criar palavras, especialmente se a realidade nos impõe uma cena para a qual os substantivos falham, os adjetivos se tornam incompletos e os complementos, bem os complementos ficam por nossa conta. Não me sinto orgulhosa de tamanha invenção. Muito antes pelo contrário! Estou bastante apreensiva. A quantidade de crianças que estão sendo cuidadas, monitoradas, educadas pelas avós – sim, avós, no feminino, excluindo os avôs – é gigante.
E não pelas fatalidades da vida, casos de mães falecidas. Não. Avós criando filhos de mães vivas, mas que enjoaram de brincar de casinha e “emprestaram o brinquedo” para outros. Ou ainda, mães que sentem muita dificuldade em conciliar a maternidade com as demais atividades-exigências-compromissos-escolhas que fizemos e faremos. Temos ouvido de mães, quando chamadas à Escola (e vamos combinar que só chamamos quando realmente é necessário, pois nem sempre é produtiva ou prazerosa a conversa!). Ouvimos: Mas eu trabalho. Não tenho tempo!
Ainda que a convivência intergeracional seja extremamente benéfica para todos os envolvidos, convenhamos que educar cansa, dá trabalho e exige até mesmo vigor físico. Tenho conhecido muitas avós que se dispõem a aprender com os netos, embora saibamos todos o quanto elas acumularam de saberes em suas vidas. Muitas nem se dão conta! Mas também tenho visto uma falta de limites, um jeito de lidar com a autoridade que não traz benefícios. Resultado: crianças superprotegidas, de difícil convivência, negligenciando regras e se recusando a sentir a dor do outro, a desenvolver a empatia. Lidar com o abandono é sempre doloroso, sem receita e as tentativas de ensaio e erro frustram, trazem insatisfação e, por vezes, infelicidade. Assunto para profissionais: psicólogos, terapeutas, líderes religiosos, pessoas da comunidade detentoras de notório saber, contadores de histórias, biblioterapeutas, etc. Intervenções necessárias. Pois agora? A teia da vida interconecta todos os pontos. Se um deles ficar solto, faz-se um buraco, a fragilidade se instala e dela derivam situações para as quais ainda não nos acostumamos. Gravidez na adolescência, falso empoderamento de meninos que se arriscam em aventuras sexuais, sem a devida e necessária proteção do preservativo, falta de resiliência para lidar e administrar conflitos rotineiros, descartabilidade do casamento…são tantas as possibilidades…. O fato é que estamos gerando crianças sem que preparemos seus ninhos. E depois delegamos às avós os cuidados com as crias…E por mais sabedoria que tenham para dividir conosco, o papel de cada um e de cada uma é mesmo de cada um e de cada uma. Neste caso, não há substituições… há arranjos dos mais variados. Respeitá-los, com certeza. Mas pensar criticamente sobre a sua real necessidade nos faz lembrar de que nossas escolhas interferem, modificam e afetam a vida de todos os que nos rodeiam. Maternidade precisa ser exercida, ao menos, pelo coletivo de dois. Para aliviar o peso de temática ainda tão dolorosa, deixo a indicação do livro CARTA ERRANTE, AVÓ ATRAPALHADA E MENINA ANIVERSARIANTE, da Mirna Pinsky.
(*) Rute Miriam Albuquerque, diretora escolar