O ser humano não nasce pronto como a maioria dos mamíferos. Nascemos desprotegidos e despreparados para sobreviver, conquistamos a nossa sobrevivência pouco a pouco. Saímos do útero materno e buscamos pelo colo-útero e é ali nos braços, principalmente da mãe inicialmente, que nós encontramos a segurança. Segundo Henri Wallon (2007), psicólogo francês, o movimento é a primeira manifestação de vida psíquica e o tônus está intimamente ligado com as emoções, ou seja, o corpo realmente fala, ou melhor, expressa-se.
Partindo dessa ideia, são as pessoas do entorno do bebê, da criança, que primeiramente e principalmente vão significar as manifestações emocionais dele, depois as relações se ampliam e as influências são mais diversas; dessa forma, é preciso entender que quando a criança associa um gesto a um significado, por exemplo, se eu choro minha mãe me pega no colo, isso é totalmente diferente de manipulação, bebês e crianças não são manipuladores, mas sim, possuem intenções como todos nós.
Inicialmente, as emoções vêm como descargas desorganizadas e é com o passar dos anos que a criança vai aprendendo a organizar essas emoções de uma maneira mais complexa, um filme que mostra isso de uma forma muito interessante e acessível é o Divertidamente. Mas antes de falar sobre essas emoções como descargas desenfreadas dos sentimentos, quero trazer que a afetividade nasce das emoções, do afetar e ser afetado, o elo de afeto nasce da função social das emoções e é a partir dela que as emoções preponderam de maneira organizada sobre os instintos. Dito isso, como olhar para a temível “birra” ou teimosia excessiva, resposta mais marcada, com 78%, da pesquisa realizada pela Escola de Pais com os pais de Florianópolis, na pergunta de maiores dificuldades com crianças de 0 a 3 anos? Seria maravilhoso ter uma receita, uma fórmula, um agir único, mas não existem tais coisas, a questão de como lidamos com o desenvolvimento emocional é algo muito complexo e que mexe com estruturas internas e externas.
Destarte, é importante falarmos do fortalecimento da individualidade da criança e, em consequência, da própria individualidade dos cuidadores. Para tal, contamos com o sólido tripé: lidar com a frustração; interpelação e autonomia e o famoso, limite, que difere de autoritarismo. Como conduzir tais propostas em um ser que está no seu ápice de desenvolvimento físico, cerebral, emocional? Afinal, nasce-se desprotegido e em apenas três anos acontece o andar, falar e pensar, pois a memória ela sai da memória objeto para a de longa duração. Imaginem que esse tipo de atividade cerebral não ocorre de maneira semelhante em nenhuma outra fase da vida. Voltando ao Wallon, ele traz que é o conflito que abre espaço para o novo. Então, quando olharmos para uma criança expressando de maneira forte e desorganizada suas emoções, temos que primeiro olhar para nós e primeiro lidar com o fato de que não somos nós que vamos organizar aquelas emoções, estaremos ali como mediadores desse desenvolvimento. Ou seja, vamos estar junto a criança, mantê-la segura, dizer que estamos ali para conversar quando ela se acalmar ou podemos dar opções de formas como ela pode conseguir se acalmar, e nesse campo a Disciplina Positiva traz várias possibilidades, como o círculo da raiva [i], e formas de condução da tal “birra” sem ferir a criança, sua autoestima, estimulando o respeito e o encorajamento para lidar com as emoções. A Disciplina Positiva foi desenvolvida em vários livros pela Jane Nelsen e Adrian Garsia.
Segundo a psicóloga e pedagoga Juliana Topanotti, a emoção é uma forma de comunicação e por volta dos 2/3 anos as crianças têm desejos muito fortes, mas ainda não tem a fala bem desenvolvida para argumentar o que desejam. E com os desejos a mil e a fala/pensamento ainda não tão desenvolvidos atrelados a fome, cansaço, que causam frustrações, vem a descarga emocional. Assim, o melhor a fazer no momento é esperar a emoção passar, cuidar para que a criança não se machuque e deixar a emoção se extinguir sozinha mas sempre estando junto a criança. Depois, o cuidador pode verbalizar pela criança, quando ele entender o que aconteceu com ela e argumentar o porquê não é possível que os desejos sejam atendidos naquele momento, ou deixar a criança expressar por ela o ocorrido, ou seja, criar um espaço de diálogo. A psicóloga e pedagoga Juliana, em uma conversa que tivemos, também ressalta que cuidar da fome e do sono, se for o caso, é importante e sempre mantendo a calma. E se a emoção nos atingir também, o melhor é sair de cena chamando outro responsável para assumir o posto e só voltar quando a nossa emoção também tiver passado e, então, argumentar, explicar, validar a emoção da criança, dizer o que pode, o que não pode, para que o vocabulário da criança vá se ampliando até que ela consiga expressar seus desejos e suas afetações com palavras e, com isso, as emoções irão acontecendo com menor força e de maneira menos desordenada.
Mas, mais do que ler sobre a Disciplina Positiva e aprender como conduzir de maneira firme e gentil a educação da criança, tem-se que olhar para si. Pois é tratando as feridas internas que trazemos como adultos e frutos de uma educação, que nos aconteceu em sua maioria de forma autoritária e/ou permissiva. Afinal é muito mais forte o fluxo da reprodução do que vivemos quando éramos crianças do que ir no contrafluxo da desconstrução desses padrões, que ainda enxergam as crianças como manipuladoras e que não dão espaço para o “ser criança”. Por isso, trago que educar é algo muito complexo, que se intercruza com muito mais que lidar com a “birra”. A maioria das crianças estão sob cuidados de mulheres, sejam as mães, as avós, as professoras, as cuidadoras, e essas mulheres carregam não só o papel de cuidar das crianças, como de cuidar da casa e ainda o papel do mercado de trabalho. Essa conta não fecha e não é justa. As mulheres na sua esmagadora maioria estão sobrecarregadas e, portanto, sem condições de acolher crianças, pois elas também não estão sendo acolhidas.
As “birras” não devem ser contornadas, mas sim acolhidas, entendidas como um processo de amadurecimento e não só pelos cuidadores, mas por toda a sociedade. Em um mundo que faz publicidade infantil de maneira cruel, que sexualiza precocemente as crianças, que vende alimentações ruins à saúde junto com brinquedos, que coloca preço nos parquinhos, que não disponibiliza espaços que interajam, que não enxerga as crianças como cidadãos de direitos tem-se muito chão pela frente no educar desses seres humanos. Infelizmente, cai nas mães principalmente essa responsabilidade de driblar esse sistema que as tornam invisíveis e olhar para a criança em questão e respirar fundo para lembrar que ela precisa quebrar a corrente de que ela não foi acolhida nesse momento na sua infância, mas que ela fará diferente e ao invés de punir a criança irá conduzi-la, abaixar, olhar nos olhos e dizer que você está ali e que a ama, que ela tem outras opções para se acalmar, que ela tem seu colo, seu carinho, sua atenção e que juntas vocês lidarão com isso. E não contornarão, pois, contornar é evitar, e evitar a birra não a resolve e sim encará-la de frente com firmeza e gentileza.
Referências:
WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Autoridade no assunto, a renomada psicóloga, educadora e mãe de sete filhos Jane Nelsen desenvolveu o conceito de Disciplina Positiva a partir das teorias de Alfred Adler e Rudolf Dreikurs e concebeu um programa altamente eficaz em que a disciplina é ensinada de uma maneira respeitosa e encorajadora, tanto para as crianças como para os adultos.
(*) Fernanda Gomes – Doula, Pedagoga em formação pela UDESC, cursos na área da Antroposofia, Educação Sexual, Educação e Mídia e Psicomotricidade, Mãe, Associada da Escola de Pais Grande Florianópolis.