Gostaria de começar esse pequeno artigo me remetendo à importância da pesquisa da Escola de Pais realizada pela Esag Jr/UDESC. A pesquisa traz um rico panorama das dificuldades e desafios encontrados pelos pais no conturbado processo de educação contemporâneo.
Os dados colhidos na pesquisa dizem muito a respeito da condição da baixa modernidade em que vivemos, momento esse de erosão da arte de produzir narrativas coletivas e, como dizia Walter Benjamin, de perda da comunicabilidade.
Antes de entrar no tema que me foi confiado pela revista, que diz respeito à dificuldade de “Ajudar no desempenho acadêmico/profissional”, vou me permitir um rápido sobrevoo sobre questões que afetam diretamente o processo educacional contemporâneo.
Que dias são esses em que vivemos? São mesmo dias barrocos… violentos e instáveis; dias de viver em vertigem, como diria um autor que gosto de estudar, Walter Benjamin. Parece que vivemos mesmo em vertigem o tempo inteiro diante da instabilidade climática, financeira, política e da paz. Como no período barroco [final do século XVI e meados do XVIII], cujo emblema principal era o esqueleto, fantasmas e escuridão [representados nos quadros de Rembrandt, Rubens e Caravaggio], atualmente vivemos várias vertigens que assolam o sujeito contemporâneo em escala global e intrapsicologicamente. E parece que o apreço pela violência e morte, que deu fama aos escritores e pintores barrocos, hoje dão audiência aos jornais e revistas cujo mote é a espetacularização e sensacionalismo da notícia que nos aflige todos os dias. Assim, a pergunta que não quer calar é: como prevenir a juventude de tamanha vertigem? Pode haver antídoto à erosão das clássicas e firmes identidades tradicionais?
Não há resposta correta para essas questões, só pode haver experiências. Mas nada mais promissor do que a experiência educativa pautada no respeito e no diálogo. Há mais de dois mil anos Aristóteles havia dito que é preciso respeitar o jovem. Dizia o sábio grego que “se um jovem comete uma falta é sempre por excesso ou exagero”, pois é próprio do jovem o arrebatamento, a paixão, o gosto pelas reações exageradas. A reação dos adultos a essas manifestações é que vão transformar-se em experiências educativas ou não. O problema é que algumas posturas autoritárias, repressoras e violentas dos pais, do tipo: “quem manda aqui sou eu” tendem a erodir a comunicabilidade. E isso não tem nada a ver com permitir a libertinagem ou o desrespeito, mas tem a ver com a conquista, com a empatia, como a compreensão do “excesso ou exagero” de que falava o filósofo grego.
Normalmente, os pais querem ser vistos como exemplos e não raro colocam isso para os filhos como um fardo pesado: “na sua idade eu já trabalhava”; “sempre fui bom aluno”; “nunca fui malcriado”… essas e outras caricaturas de um ser “perfeito” que joga com a diminuição e humilhação do outro, mesmo sendo seus filhos. Lembro aqui de novo de Benjamin que dizia: “Nem tudo nessa vida é modelar, mas tudo é exemplar”; ou seja, o exemplo pode não modelar; nosso exemplo pode não somente não modelar como se tornar um perigo, uma barreira na transmissão da nossa experiência aos nossos descendentes. Para que o exemplar possa se tornar modelar, é preciso que a experiência comunicada toque parte da vida do outro. E isso só pode se dar no diálogo e na parceria, no fazer as coisas juntos, no comprometimento mútuo e na aceitação das diversas identidades presentes na cena contemporânea. Não temos mais o filho ou a filha, sonhados de acordo com nossas expectativas, de sujeitos ligados às tradições do trabalho fixo para o resto da vida, da família tradicional e do namoro firme ou do casamento. Somos muitos e muito diversos, queiramos ou não, gostemos disso ou não. Antes, as regras de sucesso modernas poderiam até valer, no geral: agora não valem mais; ou melhor: valem para casos ah doc, ou seja, para o momento.
Partindo dessas difíceis questões, não respondidas, entro no meu tema provocando outra pergunta: “Como ajudar no desempenho acadêmico/profissional dos jovens?”. A resposta é fácil, mas a operacionalização é muito difícil: estreitando a comunicabilidade, eu diria. É difícil porque na vida contemporânea se vive a mil: pouco se percebe, pouco se olha, pouco se conversa. A vida parece um relâmpago. Por outro lado, a comunicabilidade exige um respirar, uma sentada na mesa, uma conversa de amigos, uma caminhada, ainda que de poucos passos pela casa. Só tem de ser juntos.
Responder como ajudar no desempenho acadêmico tem a ver com todas outras perguntas feitas aos pais. Embora, a nossa tenha sido a que mais apresentou dificuldades (53%), certamente não está desligada de todos os outros problemas que os jovens enfrentam na corrida maluca atual onde estão presentes as drogas, bullying, sexualidade, paternidade/maternidade precoce, dramas e traumas. O percurso acadêmico/profissional é só a ponta do iceberg. Os pais, pródigos em comunicabilidade, são os que se aproximam para que os filhos sejam “mais” e não igual a eles. São os que compartilham mais as suas dificuldades e menos a sua exemplaridade, para que os filhos sejam eles mesmos e não pais em miniatura. Tarefa difícil essa, a de não projetar nos filhos nossas próprias frustrações, sucessos ou desamparos. Isso porque a vida é assim, um aglomerado de experiências que deixamos aos nossos e, como disse Carrascoza, “a ninguém será dada a prerrogativa, salvadora ou danosa, da reescrita”, por isso é preciso ter o cuidado e a generosidade de escrever todo dia uma linha, talvez todos os dias a mesma linha, para que fique guardado no inconsciente de pais e filhos que estamos escrevendo juntos, que estamos partilhando a parte mais importante de nós: nossas vidas.
(*) Lidnei Ventura – Graduado em Pedagogia, Mestre em Educação, Doutor em Educação, Professor do CEAD/UDESC, colaborador da Escola de Pais.