Refletir sobre os desafios da família com adolescentes nos remete a uma ampliação no olhar e a uma percepção sistêmica acerca de tudo o que envolve o crescer. Vivemos tempos líquidos, como já foi bem descrito por Bauman (2007), e é neste contexto que se dá o crescer. Desafiador. Para pais e filhos. Todas as coisas já conhecidas, os eixos estruturantes que marcaram a educação da maioria dos pais dos adolescentes hoje com 15, 17 anos, estão modificados, desconsolidados, ou não existem mais. Isto em si revela-se desafiador. É preciso seguir em frente sem conhecer o caminho.
Muitos pais vivem esta realidade com temor e ansiedade, a insegurança quanto ao que e como fazer revela-se como companheira da função materna e da função paterna nos tempos atuais.
E, neste contexto, percebe-se nos resultados da pesquisa a presença de questões humanas centrais, como, por exemplo, “demonstrar carinho e afeto” e “orientar para o bom caminho”. Poderíamos questionar aqui por que, como pais, nos sentimos pouco à vontade em ter atitudes que deveriam permear as relações afetivas desde sempre. Nada muda. O que muda aqui é a fase e a necessidade de aceitarmos as mudanças naturais, adequando nossas expressões afetivas.
Lidar com situações de bullying e com traumas sofridos requer um compromisso com o cuidado, e com a possibilidade de nos conhecermos bem. Conhecer-se bem, poder refletir sobre as próprias vivências de bullying ou traumáticas capacita-nos para uma competente intervenção. O exercício do cuidar reedita, inevitavelmente, a forma como fomos ou não cuidados e a percepção que se tem das experiências vividas. Pais que conseguem se pensar, fazer as pazes com o adolescente que foram e enxergar com clareza o que aprenderam sobre cuidado costumam ser pais mais cuidadosos, que lidam melhor com as demandas alheias ao seu controle, imprimindo na relação as possibilidade de escuta, proximidade, acolhimento e busca conjunta de soluções. Mas é preciso estar do lado de dentro para realmente se aproximar e cuidar. Pais apropriados de suas vivências infantis e adolescente apresentam mais recursos para lidar com as questões desafiadoras e sem respostas prontas. Sabem que é no diálogo, na proximidade e no acolhimento que as respostas aos desafios vão sendo construídas.
Conversar sobre amizades, tráfico, roubo, drogas, sexualidade, pressupõe intimidade e escuta. As informações teóricas estão disponíveis em qualquer parte, de forma abundante. O compromisso com o educar requer atualização constante sob pena de não termos escuta dos filhos, tantas vezes bem mais informados que nós. E intimidade, verdade. Há muito tempo constata-se que repressão e autoritarismo não são eficazes na educação de adolescentes. Autoridade e intimidade se constroem, ao longo de toda a vida. São espaços a serem ocupados. Ter autoridade, ter intimidade é antes de tudo, mostrar-se respeitoso e buscar ser íntimo, alcançar o respeito afetuoso e ocupar o lugar de autoridade. Isto se dá na presença, no afeto, no compromisso em evoluir para nos tornarmos pessoas melhores, pais melhores. Conversar sobre diversidade sexual, requer também informação atualizada e uma ampla revisão de nossos conceitos e preconceitos, com o compromisso com a verdade e singularidade que revela cada ser, diferentes sempre. É trabalhar em si o conceito de respeito às diferenças e à inclusão. Feito isso, estaremos aptos a conversar sem temores. Os temores nascem das nossas incertezas e falta de reflexão. Se estamos tranquilos com o tema em nós, não corremos o risco de irmos além ou aquém na informação e diálogo.
A dificuldade de controlarmos o uso de aparelhos eletrônicos, jogos e uso de celulares nos remete novamente às incertezas e falta de medidas. Já é sabida a importância do monitoramento do uso de aparelhos celulares, sendo indicada a redução do tempo de uso, sob risco de danos à atenção, concentração, capacidade visual e de vincular-se. Muitos estudos apontam para a necessidade de orientação e diálogo com os jovens acerca do comedimento e bom senso. Novamente somos chamados, como pais, a muitos questionamentos: como é a nossa relação com as novas tecnologias? Qual o tempo que dispendemos ao uso de celulares diariamente? O que existe do lado de fora da tela que possa vincular e chamar a atenção dos adolescentes? O quanto de tempo eu tenho para sentar como pai, como mãe, e debater com meus filhos ajudando-os a formar um senso crítico que os instrumentalize para o bom uso das tecnologias?
Convido aos leitores a refletirem sobre estas dificuldades apontadas.
Qual o melhor caminho?
Qual a minha possibilidade, como pai, de expressar meus sentimentos, com verdade, carinho e afeto?
Notamos aqui a importância do cuidado dos pais, e, também, da Escola de Pais como um espaço psicoeducativo de acolhimento e informação. Percebe-se neste quesito, um desamparo dos pais acerca de si mesmos e de suas possibilidades. Quem eu sou, como desejo me expressar? O que entendo como importante em termos de valores. Quais são os meus valores? Considerando que educar não é processo neutro, a falta de direcionamento nos remete ás dificuldades em educar. Antes de educar outro ser, eu preciso ser e saber quem sou. Daí a importância da maturidade dos pais e futuros pais, do compromisso com a sua saúde emocional e com a conjugalidade. Se você está seguindo esta leitura, convido-o a uma auto-avaliação nestes quesitos. E convido-o a conhecer o trabalho da Escola de Pais do Brasil, um espaço importante de reflexão e crescimento sobre a arte de amar e educar crianças e adolescentes.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
Valéska Walber – Representante da Diretoria Executiva Nacional da Escola de Pais do Brasil – RS, Psicóloga, Especialista em abordagem sistêmica de casais, famílias e indivíduos, sexóloga. Mestre em Psicopatologia e Psicologia Clínica – e-mail: [email protected]
(*) Publicado na Revista Escola de Pais Seccional da Grande Florianópolis – dezembro de 2019, pg. 25