As relações sociofamiliares, que de acordo com a própria etimologia da palavra se refere a família e a sociedade, sempre foram temas de discussões e estudos de várias áreas que compõem as ciências humanas, dentre elas, a psicologia. No campo prático da aplicação da psicologia, temos a Psicoterapia, como todas as formas que buscam o tratamento de problemas psicológicos como a depressão, ansiedade, dificuldade de relacionamentos e demais transtornos emocionais e conflitos internos do ser humano, geralmente pautada em abordagens psicológicas como a psicanálise, a terapia cognitivo-comportamental, a fenomenologia, por exemplo.
Nesse campo de entendimento, a Constelação Sistêmica Familiar se configura como uma nova abordagem da Psicoterapia Sistêmica Fenomenológica, idealizada e desenvolvida por Bert Hellinger, filósofo, teólogo, pedagogo e psicoterapeuta alemão.
As experiências de Bert Hellinger em diferentes contextos, que variam desde prisioneiro de Guerra na Alemanha Nazista até os serviços prestados como Missionário Católico em uma tribo Zulu, na África do Sul, contribuíram para a compreensão de que que por traz dos valores morais da sociedade, estão os valores pessoais, capazes de auxiliar tanto nos conflitos familiares como na sociedade. Assim, ele reconheceu três leis universais que atuam sobre todos os relacionamentos humanos, também denominadas por ele como ordens do amor, a saber: pertencimento, hierarquia ou ordem e equilíbrio.
Para melhor compreendermos as ordens do amor, é preciso situá-las em seu locus de ocorrência primária, ou seja, no sistema familiar de cada indivíduo. De acordo com esta abordagem, a história de nossa família nos pertence, é parte de nós e a ela estamos vinculados, seja mediante as marcas em nossa personalidade ou coragem e limitações que herdamos. A grande sacada das Constelações Sistêmicas é justamente atuar de forma prática, com dinâmicas e exercícios quânticos, pautados na energia do campo transacional, para dissolver antigos padrões familiares, como conflitos e até mesmo doenças, que se repetem e impedem o fluxo de amor nas famílias e se estende para a sociedade. Assim, ao olhar para as questões do próprio sistema familiar, com atenção para as leis do amor que regem o fluxo de amor no sistema, podemos possibilitar uma nova compreensão e cura dos padrões de repetição de comportamentos.
A primeira lei, intitulada Lei do Pertencimento, diz respeito, sobretudo, a nossa necessidade de pertencer. De acordo com essa lei todos que nascem em um sistema familiar têm o direito de se sentir pertencente. Isso inclui, até mesmo, os antepassados e possíveis abortos, que não poderão ser excluídos, ainda que pela morte. Caso ocorra a exclusão por parte de algum integrante da família em relação a outro membro do sistema, seja de forma consciente ou não, o sistema entra em conflito. Tal conflito pode ser sentido tanto por aqueles que excluem, como por aqueles que foram excluídos ou em ambos e, geralmente se revela por meio de doenças ou questões emocionais. Logo, é preciso reconhecer o direito de fazer parte que todas as pessoas possuem, especialmente quando se referem aos familiares, podendo estender esse entendimento para outras relações fora do sistema familiar. Todos somos partes do universo, do planeta Terra, de uma mesma espécie… Razões pelas quais as exclusões tão presentes na sociedade têm gerado tantos conflitos e violências!
A lei da ordem ou hierarquia indica que os que nos antecederam tem preferência sobre os que vieram depois. Por isso, precisamos respeitar os avós, pais, irmãos mais velhos e todos os ancestrais… A vida somente chegou até nós porque outros contribuíram para isso, os nossos antepassados! Logo, serão sempre maiores do que os que aqui estão. Quando essa ordem não é respeitada, como por exemplo, os filhos que não honram ou respeitam os seus pais, interferem em suas decisões, acabam ocupando o lugar que é deles, geram conflitos e consequências. O mesmo deve ser seguido nas relações interpessoais em outros espaços, como no trabalho, na escola, entre amigos. Há sempre alguém que nos antecedeu e deve ser respeitado. Isso não significa que devemos concordar com todos os comportamentos dos que vieram antes de nós, mas sempre lembrar da hierarquia e do respeito a hierarquia na forma de questionar e lidar com o outro e, muitas vezes acolher e aceitar o que não pode ser mudado no outro, dando o devido lugar para cada um no sistema olhado.
Já a Lei do equilíbrio se refere diretamente ao movimento entre “dar” e “receber” que ocorre em todas as relações humanas, a começar em nosso sistema familiar, quando recebemos o maior presente: a vida!Por isso, os pais serão sempre maiores do que nós, vieram antes, nos precederam. Logo, de acordo com o equilíbrio, são eles que “dão” aos filhos, que por sua vez, “recebem” amor, cuidados, apoio financeiro, por um longo período. Por sua vez, para compensar os ganhos, os filhos crescem e se desenvolvem pessoal e profissionalmente e constituem famílias para de alguma forma retribuir com orgulho e alegria aos pais o que receberam. Assim seguem para o mundo! Se essa dinâmica é alterada, seja por necessidade dos pais ou arrogância dos filhos (talvez inconsciente) em querer dar mais do que receber, podem gerar conflitos no sistema e, por conseguinte, fora dele, na sociedade. Em muitos casos, os filhos se sentem num débito muito grande por não poder compensar a vida que receberam e acabam estendendo tal débito para outras relações e se tornam incapazes de receber algo do outro, querendo apenas doar. Ainda que o equilíbrio nunca seja perfeito, em todas as relações humanas, é preciso esse movimento entre “dar” e “receber”, que se configura como uma busca constante pelo equilíbrio. Por isso é preciso também aceitar o que vem do outro e não apenas querer compensá-los por algo.
Por fim, ao entender, reconhecer e respeitar as três leis do amor ou ordens de Bert Hellinger em nosso sistema familiar, também podemos ampliar a consciência para mudar os padrões de repetição e evitar os comportamentos que geram conflitos e emaranhados, seja em nossas relações familiares, afetivas e profissionais. Para isso, é preciso lembrar que somos seres sistêmicos oriundos de dois sistemas familiares diferentes dos quais sempre faremos parte e, assim, também faremos parte de outros sistemas na sociedade: grupo de amigos, funcionários de uma empresa, residentes do condomínio, pais de alunos, enfim, sempre faremos parte… Nesse movimento que vai do sistema familiar para o mundo, a família é uma fonte de força e amor que encontra nas leis sistêmicas as condições necessárias para o amor fluir… Que possamos pertencer, respeitar a hierarquia e buscar o equilíbrio em todos os espaços que percorremos!
Referências
Texto elaborado a partir das leituras e interpretações de algumas obras de Bert Hellinger, dentre elas:
HELLINGER, Bert. A simetria oculta do amor: porque o amor fazem os relacionamentos darem certo. 12. Ed. São Paulo: Cultrix, 2008.
HELLINGER, Bert. HOVEL, Gabriele Ten. Constelações familiares, o reconhecimento das ordens do amor. São Paulo: Cultrix, 2004.
Ana Paula de Oliveira Grasso – CRP 08/10971, Psicóloga e Terapeuta Sistêmica, Contato: (41)991993279, Clínica: CEMOPAR, (41)33111010, Brasílio Cuman, 40, São Braz – Curitiba- PR [email protected]
(*) Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil Seccional de Curitiba, ano 56, ed. 49, setembro 2020, p. 46.