Pais “muito bonzinhos” são um dilema existencial para carregar, mais tarde.
O que é mais importante para os pais: manter a casa em ordem, ou deixar os filhos à vontade, sem disciplina e sem ordem?
A resposta adequada seria: manter a casa em ordem e esperar que os filhos fiquem à vontade, sob disciplina e ordem. Basta que eles sejam educados para isso.
O que é mais importante para família: um marido satisfeito, feliz, relaxado, à custa de cuecas jogadas pelo banheiro, toalhas molhadas sobre a cama, ou um parceiro ordeiro e colaborativo?
A resposta adequada seria: um marido feliz, satisfeito, ordeiro e colaborativo, que ajude a manter a casa longe do caos. E para a esposa, o que seria?
A verdade é que há situações que não se excluem, pelo contrário, se complementam.
Esse é um tema nada excludente. Filhos, esposas e maridos devem colaborar com a mínima ordem reinante, sob pena de se tornarem abusivos, fora do convívio familiar.
Não há felicidade na desordem. Não pode haver tolerância com a desordem organizada, sistematicamente, como se a desordem fosse a ordem.
A criança que cresce sem envolvimento com a ordem aprenderá a envolver-se com a desordem. O adulto que foi criança e não guardou o brinquedo que usou, terá grandes possibilidades de vir a ser pouco colaborativo, daquele tipo que se levanta da mesa na casa da tia sem retirar e lavar o seu prato, ou sem arrumar a sua cama.
Não é de nenhum tratado filosófico que retirei essas conclusões: é da vida, da experiência, da análise prática.
Todas as crianças que são deixadas sem a disciplina da ordem criam uma desordem amplificada, depois de adultos.
As casas em que habitam são uma bagunça. As tarefas que deveriam ser resolvidas diariamente passam a ser desempenhadas em prazos dilatados, por semanas, meses e anos. A louça é lavada quando não há mais lugar sobre a pia e embaixo da pia. As roupas vão para a máquina quando a última calcinha vai para o corpo. Tudo é abusivamente acumulado.
Não há regras que possam valer para quem foi criado sem regra alguma.
Há nos desordeiros domésticos uma forte tendência para se tornarem acumuladores, aqueles indivíduos que guardam todo tipo de lixo, fora e dentro deles.
Começam por não catalogar objetos que, sem lugar definido, se misturam sob as mais diversas categorias. Livros no chão fazem companhia a chinelos jogados, documentos espalhados, travesseiros abandonados pelo caminho. As mais diversas coisas e coisinhas, cujo destino é incerto, somam-se às coisas maiores que se acumulam na superfície.
A “Teoria do Caos” prevê, a grosso modo, que se uma casa for deixada limpa, arejada, arrumada, com todos os objetos em seus devidos lugares, basta um tempo relativamente curto para que o abandono se encarregue de instalar o caos.
O que quero dizer com isso? Quero dizer que todas as forças do Universo decaído trabalham a favor do caos.
Não é preciso que eu e você façamos coisa alguma para que o caos se instale. Basta que não o façamos.
Dentro de pouco tempo a poeira fina se depositará sobre a superfície em camadas sedimentadas, as aranhas farão suas teias, o mofo se expandirá sobre as áreas que guardam algum vestígio de umidade e tudo – absolutamente tudo – entrará em processo de desintegração e morte.
A vida cobra a sua e a minha colaboração, para que o universo se mantenha em cadência de ritmo, harmonia e perfeita intencionalidade da ordem.
Alguns pais parecem ignorar essa necessidade e não colocam os seus filhos na cadeia da ordem. Preferem que eles se juntem à cadeia da desordem.
É a pior coisa que os pais podem fazer.
Pais muito “bonzinhos” se tornam incubadores de adultos porcalhões e relaxados. Pais muito “bonzinhos”, inconscientemente, esperam que seus filhos os amem mais por isso, e, no devido tempo, cobrarão que esse “amor” lhes seja devolvido.
Pais “muito bonzinhos” são um dilema existencial para carregar, mais tarde. Choramingam o tempo todo, dizendo quão bons foram para os seus filhos, e exatamente por terem criado filhos irresponsáveis, bagunceiros e relaxados, não receberão de volta nem o amor e nem a ordem minimamente necessária, que a última etapa de vida pede, para que morram em paz.
Dia desses fui testemunha de um fato bastante humano e convincente: diante do quarto do menino, que apresentava um cenário bagunçado, a mãe o mandou tomar banho, e enquanto ele tomava o banho, ela entrou no quarto e confiscou o Ipad.
Ao sair, o menino perguntou:
– Mãe, você pegou o meu Ipad?
– Peguei. O Ipad só volta quando o seu quarto estiver tão organizado como você o recebeu pela manhã.
Assim aconteceu por dois dias. Não foi preciso mais do que dois dias para que o hábito se instalasse.
Haveria três caminhos: fazer tudo pelo filho; repetir todos os dias a mesma cantilena, elevando a voz; exercer autoridade, acompanhada do sequestro de um privilégio ao qual ele se acostumara: o uso do Ipad.
Penso que ela fez uma ótima escolha.
Então, é isso: pais, eduquem os seus filhos para a manutenção da ordem; é um benefício que fará grande diferença na vida adulta e é tão importante que, até o ar, o céu, o sol, o mar, as árvores, as plantas, os rios, os peixes, os animais, os homens de boa vontade, a Terra e o Universo agradecem.
Nota: Pais são aqueles que criam e podem ser mães, pais, avós ou qualquer outro responsável, que esteja à frente da educação da criança.
(*) Ana Maria Ribas Bernadelli – Escritora,
historiadora, palestrante
www.contioutra.com